domingo, 25 de setembro de 2011

Sinto como se estivesse semi-congelada, com poucos resquícios de temperatura corporal que não me causem hipotermia. Coagulei meu sangue nas veias e artérias principais, para que ele não se espalhe pelo resto do corpo, para que ele não esquente o que já está quase totalmente gélido. Fria, estou fria. Mentira, o pouco de calor ainda se mantém... o que me destrói, ou não, é que, realmente, não consigo deixar o natural esfriar, congelar, ser feito por completo, mas tenho um medo terrível de que eu obtenha a infelicidade de conseguir.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Para leer en forma interrogativa

Has visto,
verdaderamente has visto
la nieve, los astros, los pasos afelpados de la brisa...
Has tocado,
de verdad has tocado
el plato, el pan, la cara de esa mujer que tanto amás...
Has vivido
como un golpe en la frente,
el instante, el jadeo, la caída, la fuga...
Has sabido
con cada poro de la piel, sabido
que tus ojos, tus manos, tu sexo, tu blando corazón,
había que tirarlos
había que llorarlos
había que inventarlos otra vez.

Júlio Cortázar

sábado, 17 de setembro de 2011

Sabe-se lá. Sou o fundo do poço, o anzol da boca, o sangue esparramado e derramado. Tenho em mim o suor do não feito, dos desejos acabados e inacabados - um ensejo de calor, de frio, de um viver nem sempre orgasmático, pero sem nenhuma possibilidade de intenção de uma estabilização finda do êxtase.

Ao simples escrever, encaminha-me tuas palavras, parceira de Infinita Highway

Bilhete

Querida Lucy,

Há muitos tipos de pessoas, bem sabe. Há aquelas “lunares”, como nós costumávamos ser. Nosso pensamento era mais “celeste” que qualquer outro modo. Você era “in the sky”. Agora, você é a Lucy com os pés no chão, cabeça firme e pensamento livre. Mente grande. Tu irás longe, sabes disso.
Sabe, Lucy, há quem diga que sejamos “realistas demais”. Não, não ligue quando disserem isso. O que é ser realista? Se é ser feliz com o que possuímos e fazer planos tangíveis, então somos ninjas nisso!
Cansei de viver nas nuvens, Lucy. Mas confesso que elas ainda me visitam de vez em quando. Não as mando totalmente embora pois elas são as responsáveis por alguns momentos criativos. Poeticamente falando, elas me são úteis!
Não choro mais por paixão, já disse. Creio que fazes o mesmo.
Paixão enfraquece, arrebenta com a saúde e deixa-nos uma pitada de insegurança.
Prefiro o real.
Apareça sempre que puder, Lucy. Venha sempre acompanhada de suas idéias.
Sentaremos e, juntas, iremos misturar as Ciências Jurídicas com as Relações Internacionais. E, dessa miscelânea, sairá boas conclusões.
E iremos ser irmãs, como sempre.

Um abraço,
Com todo o carinho.


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Sobre os comportamentos humanos

É cultural, é cultural. Não sei. É genético, animal e hormonal, é genético, animal e hormonal. Não sei, não sei. Sei lá. Só sei das intermitências do tempo (qual, que tempo?). Sabendo delas, sei deles - os feixes emotivos. Eles vão e vêm, vêm e vão. E se vão. Não há necessidade nem de olvidar dos velhos clichês liberais, aqueles que nas intermitências do tempo podem ser usados como máxima para ações mentais comportamentalmente agirem contra o impulso racionalmente (interrogação) construído de manutenção, expulsar os tais feixes emotivos, que tendem por quaisquer motivos obscuros enraizar-se, lançados estão, para efeito de combate: laissez faire, laissez aller, laissez passer. Duvidar-se deve dessas premissas, assim como de quaisquer que ao léu ou ao céu aparecerem. Macho, fêmea, gênero. Acho, acho. Acho. O tal tempo agora ordena uma estação de parada, ele não consegue abarcar o cognitivo-comportamental, então com discursos ou mesmo diálogos não pode clarificar nada que não seja, por uma separação duvidosa, pelo instinto de animal tal qual qualquer mamífero sinta. Instinto, cultura? Não sei. Os dois. Não sei, tudo isso é lixo. As velhas, e ainda tão corriqueiras dicotomias? Não, ainda não se escapa. Pede-se doses de relativismo, mas ainda procura-se eficiência na descoberta de dicotomias. E, de todas essas palavras, relativas, verdadeiras e mentirosas, há descarte aconselhável.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Nada me prende a nada.
Quero cinqüenta coisas ao mesmo tempo.
Anseio com angústia de fome de carne
O que não sei que seja -
Definidamente pelo indefinido...
Durmo irrequieto, e vivo num sonhar irrequieto
De quem dorme irrequieto, metade a sonhar.

Fecharam-me todas as portas abstratas e necessárias.
Correram cortinas de todas as hipóteses que eu poderia ver na rua.
Não há na travessa achada o número da porta que me deram,

Acordei para a mesma vida para que tinha adormecido.
Até os meus exércitos sonhados sofreram derrota.
Até os meus sonhos se sentiram falsos ao serem sonhados.
Até a vida só desejada me farta - até essa vida...

Compreendo a intervalos desconexos;
Escrevo por lapsos de cansaço;
E um tédio que é até do tédio arroja-me à praia.

Não sei que destino ou futuro compete à minha angústia sem leme;
Não sei que ilhas do Sul impossível aguardam-me náufrago;
Ou que palmares de literatura me darão ao menos um verso.

Não, não sei isto, nem outra coisa, nem coisa nenhuma...
E, no fundo do meu espírito, onde sonho o que sonhei,
Nos campos últimos da alma, onde o memoro sem causa
(E o passado é uma névoa natural de lágrimas falsas),
Nas estradas e atalhos das florestas longínquas
Onde supus o meu ser,
Fogem desmantelados, últimos restos
Da ilusão final,
Os meus exércitos sonhados, derrotados sem ter sido,
As minhas cortes por existir, esfaceladas em Deus.

Outra vez te revejo,
Cidade da minha infância pavorosamente perdida...
Cidade triste e alegre, outra vez sonho aqui...
Eu? Mas sou eu o mesmo que aqui vivi, e aqui voltei,
E aqui tornei a voltar, e a voltar.
E aqui de novo tornei a voltar?
Ou somos todos os Eu que estive aqui ou estiveram,
Uma série de de contas-entes ligadas por um fio-memória,
Uma série de sonhos de mim de alguém de fora de mim?

Outra vez te revejo,
Com o coração mais longínquo, a alma menos minha.

Outra vez te revejo - Lisboa e Tejo e tudo -,
Transeunte inútil de ti e de mim,

Estrangeiro aqui como em toda a parte,
Casual na vida como na alma,
Fantasma a errar em salas de recordações,
Ao ruído dos ratos e das tábuas que rangem
No castelo maldito de ter que viver...

Outra vez te revejo,
Sombra que passa através de sombras, e brilha
Um momento a uma luz fúnebre desconhecida,
E entra na noite como um rastro de barco se perde
Na água que deixa de se ouvir...

Outra vez te revejo,
Mas, ai, a mim não me revejo!
Partiu-se o espelho mágico em que me revia idêntico,
E em cada fragmento fatídico vejo só um bocado de mim -
Um bocado de ti e de mim...


Álvaro de Campos