sexta-feira, 29 de julho de 2011

"Arcaram os vossos argonautas com monstros e medos. Também, na viagem do meu
pensamento, tive monstros e medos com que arcar. No caminho para o abismo abstracto, que
está no fundo das coisas, há horrores, que passar, que os homens do mundo não imaginam e
medos que ter que a experiência humana não conhece; é mais humano talvez o cabo para o
lugar indefinido do mar comum do que a senda abstracta para o vácuo do mundo."

- Do Livro do Desassossego - Bernardo Soares

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Não é preciso ter razão para cantar.
Para dar ao corpo uma manhã mais tarde, uma noite mais úmida.
Para decorar a letra tremida da carne.
Canta-se como uma telha solta do telhado, para se confessar de alegria.
Canta-se para não dizer tudo o que resta a dizer.
Para não ser dito o que não cabe, para que sejam lidas as labaredas.
Canta-se para confundir o pão e os insetos, as mãos e os seios, os joelhos e ladeira da chuva.
Canta-se para não dormir durante a leitura.
Para roçar um vestido.
Para se privar do invisível.
Canta-se para não assentar o fundo, para retardar o caminho de regresso.
Canta-se para amar o que ainda nem nasceu, para interromper uma recordação triste.
Canta-se ainda que sem voz afinada, sem apetite.
Canta-se como uma poeira luminosa que sobe dos tapetes e que só é vista na infância ou quando se canta.
Canta-se com o relógio de árvore.
Com as ervas mastigadas pelas águas, pela extensão dos cabelos.
Canta-se pelo silêncio crespo do vinho, pelo vitral que há no vinho.
Canta-se pelas pedras onduladas das lâmpadas, para se apoiar na velhice das escadas.
Canta-se para ultrapassar a mágoa, para não ter motivos.
Canta-se para embaralhar a confiança e a carícia, desobedecer o ventre, injuriar com um beijo.
Canta-se para arrumar os ombros, ajeitar a gola, subir na grama.
Canta-se para alimentar o que não é letra.
Para despedir-se do começo.
Canta-se para viver no mesmo dia dos lábios.
Pela falta de equilíbrio dos segredos.
Canta-se para persistir quando era o momento de se apagar.
Canta-se para convencer o passado que ele ainda não imaginou o suficiente.
Canta-se para respirar mesmo sem ar.
Para respirar debaixo de um corpo." (Fabrício Carpinejar)

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Dia de Leminski

Razão de ser

Escrevo. E pronto.
Escrevo porque preciso
preciso porque estou tonto.
Ninguém tem nada com isso.
Escrevo porque amanhece.
E as estrelas lá no céu
Lembram letras no papel,
Quando o poema me anoitece.
A aranha tece teias.
O peixe beija e morde o que vê.
Eu escrevo apenas.
Tem que ter por quê?

Paulo Leminski

sábado, 2 de julho de 2011

Deixe os violinos, e as flautas... juntarem ao teu samba, com suor e movimento, e sangue, e ardência. Não, e olhe seus cabelos, bagunçados, embaraçados, sedentos. Sede de. Fome de. A canção... essa, com três tempos, que começa a tocar em 12, e em quantos forem (im)possíveis. Mais sangue. Deite. Ordeno-lhe a... não ordenar. "There are places i'll remember all my life, Though some have changed (...)". Se lembrar é... lembrar é... sentir sem linearidade, não há passado, presente, ou futuro... só há, simplesmente há.

sexta-feira, 1 de julho de 2011

"...
Vou acalmar meu excesso pensei

Ministrando doses diárias de barcos ancorados ao sol,

Rodeados por pequenos pássaros em busca de restos de peixe.

Águas se lançando sobre as pedras e um vento que parece vivo,

Como se tivesse a intenção de às vezes fazer agrados

Em minha pele.

Meu rosto tem muita simpatia por ventos,

Reconhece certos humores próprios a vento.

Gosto de coisas que se movem.

Por isso aprecio rios e não sou tanto assim apegada a mares..."

Viviane Mosé